A inserção de novas ferramentas digitais no campo jurídico tem transformado, de maneira profunda, a forma como se compreende e pratica o Direito. Entre essas ferramentas, a inteligência artificial desponta como elemento de destaque. Seu uso crescente em tribunais e escritórios de advocacia marca uma virada na administração da Justiça, ao promover agilidade, organização de dados e previsibilidade de decisões. Mas, por trás dos avanços, surgem também reflexões sobre os limites éticos e técnicos dessa integração.
Nos últimos anos, projetos que envolvem tecnologias automatizadas se multiplicaram em diferentes instâncias do Judiciário. O objetivo é otimizar tarefas repetitivas e aumentar a eficiência no trâmite processual. Sistemas que analisam jurisprudências, identificam padrões em decisões e organizam documentos mostram-se promissores para aliviar o peso sobre servidores e magistrados. Contudo, essa transformação exige cuidados rigorosos com a transparência, a imparcialidade dos algoritmos e o respeito ao contraditório.
Ao mesmo tempo em que se destacam os benefícios da inovação, há um alerta constante sobre a necessidade de regulamentação. O uso de inteligência artificial não pode ser um processo sem vigilância. Normas claras são fundamentais para evitar abusos, proteger direitos fundamentais e garantir que os cidadãos compreendam como suas informações estão sendo tratadas. A ausência de critérios bem definidos pode comprometer a credibilidade das decisões judiciais que dependem, em parte, de recursos automatizados.
Outro ponto importante diz respeito à responsabilização. Quando uma ferramenta de apoio automatizada contribui para uma decisão equivocada, é preciso estabelecer quem responde por essa falha. O juiz que utilizou a tecnologia? O desenvolvedor do sistema? Essa discussão jurídica ainda é recente no Brasil, mas precisa ser enfrentada com seriedade, especialmente à medida que essas ferramentas se tornam parte do cotidiano forense.
Há também a questão da exclusão digital. Nem todos os advogados, partes envolvidas ou mesmo profissionais do Judiciário têm acesso ou conhecimento para lidar com sistemas baseados em inteligência artificial. Essa desigualdade pode aprofundar ainda mais as distâncias dentro do sistema, limitando o acesso à Justiça para aqueles que já enfrentam barreiras estruturais. A democratização da tecnologia, portanto, deve caminhar lado a lado com sua implementação.
A capacitação dos operadores do Direito é outro desafio. Promotores, defensores, magistrados e servidores precisam ser treinados para compreender não só como utilizar essas ferramentas, mas também quais são seus limites e riscos. O uso consciente e responsável é o que garante que a inovação seja um instrumento de apoio, e não um fator de alienação ou desumanização no trato das causas jurídicas.
A inteligência artificial não substitui o julgamento humano, tampouco é capaz de compreender nuances éticas, sociais e emocionais que muitas vezes envolvem um processo judicial. Seu papel deve ser o de apoiar, oferecer dados relevantes e ampliar as possibilidades de análise. Confiar cegamente em sua aplicação seria um erro tão grave quanto ignorar sua utilidade diante das transformações contemporâneas.
À medida que a sociedade avança tecnologicamente, é inevitável que o sistema de Justiça também se adapte. No entanto, essa adaptação precisa ser feita com responsabilidade, ouvindo especialistas, respeitando direitos e sempre colocando o ser humano no centro das decisões. A incorporação da inteligência artificial pode ser um marco positivo, desde que sirva para fortalecer, e não enfraquecer, os princípios que sustentam o Direito.
Autor : Yury Pavlov